sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Homens e Carangueijos


"É como se o trepidar dos motores tivesse estraçalhado de repente todo o cristal de sua abstração, em cuja superfície o menino via refletir, com uma nitidez impressionante, as imagens do seu próprio ser tomando consciência do mundo. João Paulo, desencantado como se uma onda de tristeza súbita lhe afogasse a alma, suspira forte. E o ar que lhe entra agora pelas narinas já não é aquele ar impregnado dos cheiros cálidos e excitantes dos sertão – cheiro de transpiração do gado, cheiro da bosta ainda quente, cheiro da terra viva em gestação. O que agora sente é um cheiro frio de lama podre, de terra morta em decomposição. Cheiro de carniça da terra que deve excitar o olfato e apetite dos urubus e dos cachorros famintos, mas que deixa João Paulo entorpecido, quase nauseado."


- Josué de Castro